22/11/09
PALAVRAS DO CORAÇÃO
- Falámos das emoções conflituosas e do mal que derramam na nossa prática espiritual. É, devo admiti-lo, natural para nós experimentarmos emoções como a ira e o desejo. No entanto isto não significa que não precisemos de fazer nada a seu respeito. Estou consciente que na psicologia ocidental expressar sentimentos e emoções, até mesmo a ira, é muitas vezes encorajado. Certamente que muitas pessoas sofreram experiências traumáticas no passado, e se essas emoções são reprimidas podem causar na verdade males psicológicos duradouros. Nesse casos, como dizemos no Tibete:, “Quando a concha do búzio está entupida, a melhor maneira de a desobstruir é soprar para dentro.”
Dito isto, sinto que é realmente importante para os que têm uma prática espiritual adoptar uma posição contra as emoções fortes como a ira, o apego e o ciúme e devotarem-se a refreá-las. Em vez de nos permitirmos condescender na ocorrência de emoções fortes, devemos trabalhar para diminuir a nossa propensão a elas. Se nos perguntarmos se somos mais felizes quando zangados ou quando calmos, a resposta é evidente. Como já vimos anteriormente, o estado mental alterado que resulta das emoções conflituosas perturba imediatamente o nosso equilíbrio interior, fazendo com que nos sintamos instáveis e infelizes. Na nossa demanda da felicidade, o nosso objectivo principal deve ser combater estas emoções. E só podemos consegui-lo aplicando um esforço deliberado e prolongado durante um longo período de tempo – nós, budistas, diríamos durante muitas vidas sucessivas.
Como já vimos as aflições mentais não desaparecem por si mesmas; não desaparecem simplesmente com o tempo. Chegam ao fim apenas como resultado de um esforço consciente para as minar, diminuir a sua força e por fim eliminá-las em conjunto.
Se desejamos ser bem sucedidos, devemos aprender como nos empenharmos a combater as emoções conflituosas. Começamos a nossa prática do Dharma do Buda lendo e escutando mestres experimentados. É assim que desenvolvemos uma melhor compreensão da nossa situação actual no interior do círculo vicioso da vida e nos familiarizamos com os métodos possíveis que podemos praticar para o transcender. Esse estudo leva ao que se chama “compreensão derivada da escuta”. É uma fundação essencial para a nossa evolução espiritual. Depois devemos processar a informação que estudámos até chegarmos a uma profunda convicção. Isto leva à ”compreensão derivada da contemplação”. Uma vez obtida uma verdadeira certeza sobre o assunto estudado, meditamos nele de modo a que a nossa mente possa tornar-se completamente absorvida por ele. Isto leva a um conhecimento empírico chamado “conhecimento derivado da meditação.”
Estes três níveis de compreensão são essenciais para fazer verdadeiras mudanças nas nossas vidas. Com a maior compreensão que adquirimos através do estudo, a nossa convicção torna-se mais profunda, engendrando uma mais forte realização na meditação. Se não conseguimos compreender através do estudo e da contemplação, mesmo se meditamos muito intensamente, é-nos difícil familiarizarmo-nos com o nosso objecto de meditação, seja este a natureza tortuosa das nossas dores ou o carácter subtil da nossa vacuidade. Isto seria semelhante a sermos forçados a encontrarmo-nos com alguém sem nenhuma vontade de o fazer. Assim é importante implementar estes três estágios de prática de uma forma consecutiva.
O meio ambiente que nos rodeia tem também uma grande influência sobre nós. Precisamos de um ambiente calmo para podermos empreender uma prática. E, ainda mais importante que isso, precisamos de solidão. Com isto quero dizer um estado mental livre de distracções, e não apenas passar tempo sozinho num lugar calmo.
14/11/09
O Eterno é Silencioso
A inteireza que você tem buscado está dentro de você.
Você tem de observar a sua vida momento a momento e deixar de lado tudo o que parece momentâneo, fragmentário. Isso pode parecer muito empolgante, mas no fim se revela inútil. Jogue fora!
Olhe fundo aqueles momentos que podem não ser tão empolgantes. O eterno não pode ser muito empolgante, pois aquilo que tem de existir para sempre tem de ser muito silencioso, cheio de paz.
É alegre, disso não há dúvida, mas não é empolgante. Profundamente extasiante, mas sem barulho nenhum à sua volta. É mais silêncio do que som.
Você terá de crescer em consciência para poder percebê-lo.
13/11/09
EUGÉNIO DE ANDRADE
12/11/09
11/11/09
As Coisas Transitórias
Irmão,
nada é eterno, nada sobrevive.
Recorda isto, e alegra-te.
A nossa vida
não é só a carga dos anos.
A nossa vereda
não é só o caminho interminável.
Nenhum poeta tem o dever
de cantar a antiga canção.
A flor murcha e morre;
mas aquele que a leva
não deve chorá-la sempre...
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao céu das lágrimas ...
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Apanhemos, no ar, as nossas flores,
não no-las arrebate o vento que passa.
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos
roubando beijos que murchariam
se os esquecêssemos.
É ânsia a nossa vida
e força o nosso desejo,
porque o tempo toca a finados.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Não podemos, num momento, abraçar as coisas,
parti-las e atirá-las ao chão.
Passam rápidas as horas,
com os sonhos debaixo do manto.
A vida, infindável para o trabalho
e para o fastio,
dá-nos apenas um dia para o amor.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Sabe-nos bem a beleza
porque a sua dança volúvel
é o ritmo das nossas vidas.
Gostamos da sabedoria
porque não temos sempre de a acabar.
No eterno tudo está feito e concluído,
mas as flores da ilusão terrena
são eternamente frescas,
por causa da morte.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
O Último Negócio
Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.
As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.
Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.
O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
06/11/09
Melhor Vida é a Vida que Dura sem Medir-se
Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
O Céu e o Ninho
És ao mesmo tempo o céu e o ninho.
Meu belo amigo, aqui no ninho,
o teu amor prende a alma
com mil cores,
cores e músicas.
Chega a manhã,
trazendo na mão a cesta de oiro,
com a grinalda da formosura,
para coroar a terra em silêncio!
Chega a noite pelas veredas não andadas
dos prados solitários,
já abandonados pelos rebanhos!
Traz, na sua bilha de oiro,
a fresca bebida da paz,
recolhida
no mar ocidental do descanso.
Mas onde o céu infinito se abre,
para que a alma possa voar,
reina a branca claridade imaculada.
Ali não há dia nem noite,
nem forma, nem cor,
nem sequer nunca, nunca,
uma palavra!
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
05/11/09
Rabindranath Tagore (escritor)
A obra em prosa, orientada por preocupações humanistas, é extensa. Inclui oito novelas, 50 ensaios e contos. Como músico, compôs cerca de duas mil canções. O volume de poesias mais conhecido é Oferenda Poética (1913-1915). Seus últimos trabalhos, entre eles Cantos Musicais (1910), são classificados dentro do Simbolismo.
Tagore participou do movimento nacionalista indiano e era amigo pessoal de Mahatma Ghandi. Como escritor, tornou-se famoso na Índia já nos primeiros anos de carreira, alcançando notoriedade no Ocidente quando da publicação de seus textos traduzidos para o inglês, muitos deles pelo próprio autor. Tagore ganhou a admiração de escritores como William Butler Yeats, que assinou a apresentação de seu livro Gitangali em sua edição britânica.Em 1913, torna-se o primeiro escritor asiático a ser agraciado com o Nobel da Literatura. Renuncia, em 1919, como forma de protesto contra a política britânica em relação ao Punjab, ao título de Sir concedido a ele pela Coroa Britânica em 1915.
"É hora de partir, meus irmãos, minhas irmãs
Eu já devolvi as chaves da minha porta
E desisto de qualquer direito à minha casa.
Fomos vizinhos durante muito tempo
E recebi mais do que pude dar.
Agora vai raiando o dia
E a lâmpada que iluminava o meu canto escuro
Apagou-se.
Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.
Não indaguem sobre o que levo comigo.
Sigo de mãos vazias e o coração confiante."
04/11/09
Meditação
O amanhã pertence a nós!
Ó Sol, levanta-te sobre os corações que sangram
E desabrocham como flores na manhã,
E também sobre o banquete do orgulho,
Ontem iluminado por tochas, e hoje reduzido a cinzas...
Rabindranath Tagore
Flor de Lótus
Flor de Lótus
No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.
30/10/09
Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.
Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
29/10/09
26/10/09
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
para me ver livre de perigos,
mas coragem para afrontá-los.
Não queira eu
que se apaguem as minhas dores,
mas que saiba dominá-las
no meu coração.
Não procure eu amigos
no campo da batalha da vida,
mas ter forças dentro de mim.
Não deseje eu ansiosamente
ser salvo,
mas ter esperança
para conquistar pacientemente
a minha liberdade.
Não seja eu tão cobarde, Senhor,
que deseje a tua misericórdia
no meu triunfo,
mas apertar a tua mão
no meu fracasso!
Choro, metido na masmorra do meu nome.
21/10/09
A unidade
A unidade é simplesmente a ideia de que Deus é. E, nos Seu Ser, abarca todas as coisas.
Nenhuma mente contém nada que não seja Ele. Quando dizemos “Deus é”, de imediato guardamos silêncio, pois neste conhecimento as palavras carecem de sentido. Não há lábios que as possam pronunciar, nem nenhuma parte da mente é suficientemente diferente do resto para sentir que, agora, é consciente de algo que não seja ela mesma. Uniu-se à sua Fonte e, tal como Ela, simplesmente é. Não podemos falar, escrever, nem sequer pensar nisto em absoluto.
14/10/09
Sou um guardador de rebanhos
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!
Alberto Caeiro
Falas de civilização...
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro
O amor é uma companhia
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro
09/10/09
EGO
Teremos que perecer e renascer...